As escolas prepararam-se para dar condições aos alunos no regresso às salas de aula.© José Carmo / Global Imagens

Professores, especialistas e sindicatos querem mais apoios, diminuição de alunos por turma, programas mais curtos e ensino híbrido (ensino presencial e à distância).

Os alunos do 2º e 3º ciclos regressaram às salas de aula a 5 de abril e os de secundário a 19, readaptando-se ao ensino presencial depois de uma longa pausa provocada pela pandemia de covid-19. O balanço é positivo, mas para a comunidade escolar ainda há arestas a limar. “O tempo decorrido desde que recomeçamos as aulas permite concluir que algum do discurso inflamado sobre recuperação de aprendizagens tem de ser moderado.

As escolas estão a resolver o problema. Observando o que se vem passando, e sou professor do 2.º ciclo de História, creio que não há que entrar em stress. As medidas tomadas de alargamento do ano letivo são mais que suficientes. Há casos de alunos com dificuldades, mas na generalidade eram preexistentes”, explica ao DN Luís Sottomaior Braga, professor de História. Segundo o docente “não vão ser aulas nas férias ou o próximo ano antecipado e mais do mesmo que vão trazer revoluções”. “Comissões de apoio aos jovens mais ativas, mais apoio social, meios de apoio às famílias, talvez fossem mais eficazes.

Mesmo o estudo do governo sobre este assunto tem de ser lido com essa luz”, defende. A solução para colmatar os problemas destes dois últimos anos letivos atípicos, diz, não deve passar por “medidas imediatas de curto prazo”. “Tem de haver medidas estruturais e para vários anos: reduzir o tamanho das turmas e dos programas ou aumentar o tempo de tutorias. Ou, por exemplo, aumentar o apoio de língua portuguesa aos alunos de língua materna estrangeira. Ou, muito importante, obter meios e recursos para manter dinâmicas positivas que surgiram com recursos à distância. O regresso ao presencial tinha a ganhar com um misto complementar com o ensino à distância bem pensado e organizado. Mas não para 1 ano, para vários anos e com visão permanente e estrutural”, conclui.

Filinto Lima pede contratação de mais professores

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, também traça um “balanço positivo do trabalho feitos nas escolas”. “Mais uma vez, o regresso à Escola decorreu muito bem, os alunos revelaram elevada consciência cívica e as comunidades educativas observaram as regras e os procedimentos adotados pelas escolas”, ressalva. Contudo, o responsável tece duras críticas sobre os comportamentos da restante sociedade. “As imagens que visionamos dos festejos que emergiram por todo o país na semana passada, após ser encontrado o campeão nacional de futebol da I Liga, reforçam o que tenho vindo a afirmar de forma categórica: por vezes apetecia-me “pegar” algumas pessoas da sociedade e “enfiá-las” na Escola” para aprenderem a importância das regras e dos procedimentos de segurança que, principalmente em altura de pandemia, deverão ser observados e cumpridos para o bem de todos”, explica.

O responsável diz ainda que se um caso desses tivesse lugar nas escolas, daria “pano para mangas”. “Alguns dos nossos políticos desvalorizaram factos que se fossem vividos nas escolas dariam pano para mangas, com as devidas averiguações e sanções disciplinares, para não falar da evidência que mereceriam na abertura dos diversos blocos noticiosos televisivos, e fazendo manchete nos periódicos”, sustenta.

No que se refere à recuperação de aprendizagens, Filinto Lima afirma que as escolas “já estão a trabalhar na realização, recuperação e consolidação das aprendizagens”, mas relembra tratar-se de um trabalho a ser estendido “nos próximos dois anos letivos”. “Creio que o denominador comum das recomendações que o ME fará chegar às escolas, apontará para o reforço de recursos humanos nas escolas, através da atribuição de mais crédito horário, de modo a que os órgãos dirigentes possam alavancar a contratação de mais professores, e, no mesmo sentido, ver aumentado o número dos técnicos especializados (psicólogos, assistentes e educadores sociais, mediadores…) existentes nas escolas. Aliás, este procedimento só confirmará o que tem vindo a ocorrer desde o início do presente ano letivo, devendo ser efetivado com maior ênfase, num contínuo de coerência de ação da equipa ministerial”, pede.

Já Marco Bento, investigador da Universidade do Minho, e especialistas em e@d, diz não compreender “a razão de se continuar a falar em recuperação de aprendizagens, quando apenas podemos recuperar algo que se tenha perdido”. “Ora, se as aprendizagens não tiverem sido efetuadas, não se recuperam, mas adquirem-se e desse modo, qualquer professor desenhará atividades em prol dessa aquisição, não se tratando de recuperar, mas de iniciar do ponto onde o aluno se encontra”, explica, defendendo que se deveria ter implementado um sistemas de ensino híbrido que “poderia em muitos casos particulares resultar numa maior proximidade de alunos à Escola e à aprendizagem”.

O especialista fala ainda na desvalorização do trabalho docente feito no decorrer do encerramento das escolas. “Insistir numa ideia de recuperação de aprendizagens, é insistir na ideia da desvalorização do trabalho docente, dos alunos e das famílias, nos diversos confinamentos e trabalho remoto tido”, sublinha. Marco Bento alerta para o facto de “não se poder ter a ambição de tratar o ano letivo com a normalidade que não tem (há dois anos letivos consecutivos)”, mas sim, “compreender que precisamos trabalhar competências dos alunos, mais do que cumprir currículo sem essa aquisição”.

A opinião é partilhada por Sónia Teixeira, professora de Matemática, que afirma não entender “porque se dramatiza tanto a recuperação de aprendizagens”. “Os meus alunos estiveram a trabalhar, tal como eu. Não estiveram de férias e o programa não ficou esquecido. Houve um trabalho árduo de alunos e professores que não está a ser valorizado. Com o alargamento do 3º período, temos o tempo necessário para cumprir o que resta do programa e dar apoio aos alunos com mais dificuldades. Essas dificuldades, na sua maioria, já existiam antes da pandemia. Estão a exigir aos professores, mas principalmente aos alunos, um trabalho desumano”, critica.

A docente relembra ainda a falta das normais pausas letivas, considerando as duas semanas sem ensino à distância como um período que “não pode ser comparável com férias”. “Sinto os meus alunos muito cansados, com menos capacidade de concentração. Faltou tempo para brincar na rua, estar com amigos, viver… E isto é tão ou mais importante como os conteúdos programáticos. As crianças aprendem rápido. Devemos preocupar-nos com a saúde mental em vez de criar um problema de recuperação de aprendizagens que não existe. As aprendizagens estão a ser consolidadas, isso sim. O que é preciso é recuperar a infância e a adolescência”, conclui.

Alunos sem professores “há meses” preocupam sindicato

Segundo o Sindicato de Todos os Professores (S.T.O.P) há alunos na Grande Lisboa e na zona do Algarve ainda sem professores. “É um problema que já existia antes da pandemia, mas que se tornou mais grave nesta altura. Há alunos sem professores há longos meses em algumas disciplinas. É algo que o Ministério da Educação (ME) tem de resolver já”, conta ao DN André Pestana, coordenador nacional do S.T.O.P. O dirigente pede a “canalização de verbas para subsídio de alojamento e transporte” para reduzir a “substancial falta de professores”. “São as escolas das zonas onde o custo de vida é mais elevado que ficam sem professores. Os docentes contratados, com o ordenado que recebem e sendo deslocados, não conseguem fazer face às despesas a não ser que paguem para trabalhar.

Trata-se de uma decisão política que se podia fazer rapidamente. Resolvia-se um problema muito grave. Esses alunos têm esse direito constitucional à educação”, sublinha. Para o coordenador nacional do S.T.O.P. é necessário, para haver “uma efetiva recuperação de aprendizagens, “condições materiais no terreno”. “É possível recuperar, mas é preciso haver condições. Quando sabemos que há turmas com 28 ou mais alunos ou professores que têm largas centenas de alunos no mesmo ano letivo, todo o processo de aprendizagem é posto em causa”, refere.

André Pestana pede também resolução urgente para os professores que ainda não foram vacinados. “O que nos parece e que é notória é a situação do desfasamento de professores que continuaram por vacinar. Ainda faltam cerca de 30 mil. A maioria foi vacinada, mas os que ainda não foram não receberam qualquer explicação sobre o motivo. Temos recebido muitas queixas nesse sentido. Os professores sentem-se inseguros no local de trabalho e sentem uma grande frustração por não haver uma justificação válida”, afirma.

Este último período mais extenso que o habitual está também a preocupar o S.T.O.P, pois “professores e alunos estão cansados”. O governo anunciou no verão passado que este ano letivo iria ter menos pausas. Criticamos já na altura. Se o ME reconhece que o esforço e dedicação foi notável, ficamos espantados que, depois desse reconhecimento, a narrativa não bata certo. Reconheceram que os professores estavam cansados, iniciou-se o ano letivo em simultâneo com correção de provas e continuaram a agravar com a diminuição das pausas. Os confinamentos não foram férias, nem para professores, nem para alunos. As pessoas têm de reconhecer que não estiveram a gozar férias, mesmo naquelas duas semanas sem aulas. Os alunos e professores estão desgastados. As pessoas não são máquinas”, sublinha.

Para o dirigente sindical, é urgente olhar para o fator emocional, pois “só alunos emocionalmente tranquilos e sem cansaço extremo conseguem estar mentalmente disponíveis para aprender”.

Fonte: Diário de Notícias